25 O PODER – DIÁLOGO COM AS SOMBRAS HERMÍNIO C. MIRANDA

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Muitos dramas, cujos vagalhões vêm rebentar em nossas mesas de trabalho mediúnico, têm o seu núcleo principal na terrível paixão pelo poder.
Um Espírito disse-me certa vez em que dialogávamos:

— Sempre fui grande!

Em termos humanos, sim, fora grande, desde remotíssimos tempos, desde o antigo Egito até à Europa moderna.
Mas, o que é realmente a grandeza?

“O maior dentre vós seja vosso servidor” — disse o Cristo, segundo Mateus, 23:11, “pois o que se exalta será humilhado e o que se humilha será exaltado.


Em Lucas (22:24-27) o texto é ainda mais explícito:

“Entre eles, houve também uma discussão sobre quem parecia ser o maior.
Ele lhes disse: Os reis das nações governam como senhores absolutos e os que exercem autoridade sobre elas se fazem chamar benfeitores; mas não assim, entre vós, senão que o maior entre vós seja como o menor, e o que manda, igual ao que serve.
Porque quem é o maior, o que está à mesa ou o que serve? Não é o que está à mesa? Pois eu estou entre vós como aquele que serve!”

Portanto, o conceito de grandeza formulado pelo Cristo não foi o de servir às nossas paixões, mas o de servir ao semelhante.
Ele mesmo, cuja verdadeira grandeza era impossível de ser ocultada, confirmava-se como simples servidor.

Em outra oportunidade, utilizando-se de sua impecável didática, Jesus confirmou e ampliou o seu pensamento, como a que nos demonstrar, sutilmente, que não tínhamos noção real do conceito de grandeza:

“Em verdade vos digo que não há, entre os nascidos de mulher, maior do que João Batista; contudo, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele.


Vemos, assim, que os parâmetros humanos de aferição da grandeza são inaceitáveis em termos espirituais.
Entre nós, que tudo -avaliamos segundo a insignificância de nossas medidas, tudo o que sobreleva à mediocridade dos nossos horizontes torna-se grande, mesmo que do lado negativo da ética.
É um grande criminoso aquele que mata com requintes de crueldade uma pessoa ou duas, mas é um grande guerreiro aquele que mata milhares.
É grande o que disputou e conquistou a sangue e fogo posições de mando e governou multidões com pulso de ferro.
São grandes os “príncipes” da Igreja, que ampliaram os poderes materiais da organização.
É grande o escritor que obteve muito sucesso literário, quer sua obra seja construtiva ou desagregadora.

Nessa invertida escala de valores, a criatura evangelizada, serena, amorosa, que leva uma existência a serviço do próximo, em renúncias ocultas e no silêncio do anonimato, passa despercebida, ignorada e até desprezada.

Isto nos induz a colocar sob suspeita nossos critérios usuais de avaliação da grandeza, pois eles nos têm levado, ao longo do tempo, a cometer tremendos enganos.
Confundimos, freqüentemente, o exercício do poder com a grandeza.
Os sinais exteriores do poder nada dizem sobre o gabarito moral do Espírito que os detém.
E muitos de nós, no passado e no presente, temos nos deixado levar pela perigosa ilusão de que somos grandes, somente porque dispomos de autoridade incontestada; mas, quantas vezes, como simples anões espirituais, não temos subido as escadarias do poder? O pior, no entanto, é que o vírus do poder nos contamina, e a infecção instala-se em nós, por séculos e séculos.
Espíritos atingidos por esse deslumbramento lamentável arrastam consigo, para o mundo espiritual, a paixão invencível do mando, e lá se juntam às organizações trevosas, que se utilizam deles para oprimir e espalhar a desarmonia por toda parte.
Eles se prestam a isso, contanto que lhes sejam conferidos os sinais externos do poder, as insígnias, os séquitos, os tronos, bem como o comando de vastas organizações opressoras, pois não aprenderam, ainda, a viver fora desse clima.

A decepção de alguns desses Espíritos é terrível, quando se encontram privados daquilo que constitui o próprio ar que respiram.
Kardec nos preservou a comunicação de uma rainha indiana de Ouda.
(“O Céu e o Inferno”, Segunda Parte, capítulo VIL.
)

— “Vós, que vivestes nos esplendores do luxo, cercada de honras, que pensais hoje de tudo isso?”

— “Que tenho direito.


— “A vossa hierarquia terrestre concorreu para que tivésseis outra mais elevada nesse mundo em que ora estais?”

— “Continuo a ser rainha.
.
.
Que se enviem escravas, para me servirem!.
.
.
Mas.
.
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não sei.
.
.
parece-me que pouco se preocupam com a minha pessoa, aqui.
.
.
Contudo, eu.
.
.
sou sempre a mesma.


E depois:

— “Tendes inveja da liberdade de que gozam as européias?”

— “Que poderia importar-me tal liberdade? Servem-nas, acaso, de joelhos?”

Outra grande dama, ex-rainha da França, em condições melhores do que a da infeliz rainha indiana, encontrou em elevada posição, no mundo espiritual, alguém que fora obscuro servidor da sua corte e de quem agora ela dependia para ser ajudada.

Muitos são, no entanto, os que se revezam nos postos de mando, aqui e lá, montando e dirigindo terríveis organizações especializadas no crime espiritual.

Dificilmente comparecem aos trabalhos de doutrinação os verdadeiros chefes dessas organizações.
Vêm geralmente seus emissários mais credenciados, assessores de confiança, seus destacados líderes.

Um deles, que se apresentou como líder religioso, me disse:

— Meu Imperador é Fulano — e disse o nome de alguém que, em tempos idos, comandou exércitos e povos.

Mesmo com os chefes menores, o trato é difícil, e não devemos alimentar esperanças de rápidas e radicais conversações.
Épreciso compreendê-los, no próprio contexto em que vivem.
Como vão deixar o poder? Entregá-lo a quem? E por quê? Como irão viver sem as pompas, as ordens, as expedições, os planejamentos, as verdadeiras campanhas que desencadeiam contra aqueles que consideram seus irredutíveis adversários? Como voltar a ser um simples e endívidado Espírito, despojado de suas próprias “defesas”?

Sim, porque sabem muito bem que, enquanto permanecerem ligados àquelas tenebrosas estruturas, estão adiando o momento do encontro consigo mesmos, com suas mazelas, suas consciências, seus remorsos.
Enquanto estão ali, permanecem ao abrigo dos olhares amargurados de antigos amores, que o tempo não apagou.
Por que trocar a glória, que chega às fronteiras da “divinização”, pelo sofrimento anônimo, pela reencarnação de resgate?

O único jeito, a única saída possível, está em agarrarem-Se tenazmente ao poder, que exercem com a sensibilidade anestesiada.
É por isso, também, que se recusam terminantemente a um diálogo que possa arrastá-los para a faixa da emoção, da brandura, da compaixão, da sentimentalidade.
Enquanto estiverem no exercício do poder estarão ao abrigo da dor maior, de enfrentarem a si mesmos.
É mais fácil enfrentar a dor dos outros.

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