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Tem sido estabelecido através da cultura dos tempos, que a infância é o período mais feliz da existência humana, exatamente pela falta de discerÂnimento da criança, e em razão das suas aspirações que não passam de desejos do desconhecido, de necessidades imediatas, de ignorância da realidade.
Os seus divertimentos são legítimos, porque a eles se entrega em totalidade, sem qualquer esforço, graçasà imaginação criadora que a transporta para esse mundo subjacente do crer naquilo que lhe paÂrece. Não estando a personalidade ainda formada, não há dissociação entre o que tem existência real e aquilo que somente se fundamenta na experiência mental.
A criança atravessa esse período psicologicamente feliz, sem o saber, com as exceções compreensíveis de casos especiais, porque tampouco sabe o que é a feliciÂdade. Só mais tarde, na idade adulta é que, recordando os anos infantis, constata o seu valor e pode ter dimenÂsão dos acontecimentos e prazeres.
Como a criança não sabe o que é felicidade, facilmente identifica-a no divertimento, aquilo que a agrada e a distrai, os jogos que lhe povoam a imaÂginação.
É na infância que se fixam em profundidade os acontecimentos, aliás, desde antes, na vida intra-uteriÂna, quando o ser faz-se participante do futuro grupo familiar no qual renascerá. As impressões de aceitação como de rejeição se lhe insculpirão em profundidade, abençoando-o com o amor e a segurança ou dilacerando-lhe o sistema emocional, que passará a sofrer os efeiÂtos inconscientes da animosidade de que foi objeto.
Da mesma forma, os acontecimentosà sua volta, direcionados ou nãoà sua pessoa, exercerão preponÂderante influência na formação da sua personalidade, tornando-a jovial, extrovertida ou conflitada, depressiÂva, insegura, em razão do ambiente que lhe plasmou o comportamento.
Essas marcas acompanhá-la-ão até a idade adulta, definindo-lhe a maneira de viver. Tornam-se feridas, quando de natureza perturbadora, que mesmo ao seÂrem cicatrizadas, deixam sinais que somente uma teraÂpia muito cuidadosa consegue anular.
Por sua vez, o Espírito, em processo de reencarnaÂção, acompanha mui facilmente os lances que preceÂdemà futura experiência, e porque podendo movimenÂtar-se com relativa liberdade antes do mergulho total no arquipélago celular, compreende as dificuldades que terá de enfrentar mais tarde, ao sentir-se desde então indesejado, maltratado, combatido.
Certamente, essa ocorrência tem lugar com aqueÂles que se vêm impelidos ao renascimento para repaÂrar pesados compromissos infelizes, retornando ao seio das suas anteriores vítimas que agora os rechaçam, o que é injustificável.
A bênção de um filho constitui significativa conÂquista do ser humano, que se deve utilizar do ensejo para crescer e desenvolver os sentimentos superiores da abnegação e do amor.
As reações vibratórias que podem produzir os EsÂpíritos antipáticos na fase perinatal, produzem, não raro, mal-estar. Não obstante, a ternura e a cordialidaÂde fraternal substituem as ondas perturbadoras por outras de natureza saudável, preparando os futuros pais para o processo de aprimoramento e de educação do descendente.
Na raiz de muitos conflitos e desequilíbrios juveÂnis, adultos, e até mesmo ressumando na velhice, as distonias tiveram origem ” efeito de causa transata ”no período da gestação, posteriormente na infância, quando a figura da mãe dominadora e castradora, asÂsim como do pai negligente, indiferente ou violento, frustrou os anseios de liberdade e de felicidade do ser.
Todos nascem para ser livres e felizes. No entanto, pessoas emocionalmente enfermas, ante o próprio fraÂcasso, transferem para os filhos aquilo que gostariam de conseguir, suas culpas e incapacidades, quando não descarregam todo o insucesso ou insegurança naqueÂles que vivem sob sua dependência.
Esse infeliz recurso fere o cerne da criança, que se faz pusilânime, a fim de sobreviver ou leva-a a refugiÂar-se no ensimesmamento, na melancolia, sentindo-se vazia de afeto e objetivo de vida. Com o tempo, essas feridas purulam, impelindo a atitudes exóticas, a comÂportamentos instáveis,às fugas para o fumo, a droga, o álcool ou as diversões violentas, mediante as quais exÂtravasam o ressentimento acumulado, ou mergulham no anestésico perigoso da depressão com altos reflexos na conduta sexual, incompleta, insatisfeita, alienadoÂra…
A sociedade terá que atenderà infância através de mecanismos próprios, preenchendo os espaços deixaÂdos pela ausência do amor na família, na educação esÂcolar, na convivência do grupo, nas oportunidades de desenvolvimento e de auto-afirmação de cada qual. Para tal mister, torna-se necessário o equilíbrio do adulto, do educador formal, que pode funcionar como psiÂcoterapeuta, orientando melhor o aprendiz e reencaÂminhando-o para a compreensão dos valores existenÂciais e das finalidades da vida.
Inveja, mágoa, ciíme, instabilidade, ódio, pusilaÂnimidade e outros hediondos sentimentos que afligem as crianças maltratadas, carentes, abandonadas mesmo nas casas onde moram, desde que não são lares verdaÂdeiros, constituem os mecanismos de reação de todos quantos se sentem infelizes, mesmo que inconscientemente.
A compreensão dos direitos alheios e dos próprios deveres, o contributo da fraternidade, a segurança afeÂtiva, a harmonia interior, a compaixão, a lealdade se instalarão no ser, cicatrizando as feridas,à medida que o meio ambiente se transforme para melhor e o afeto dos outros, sincero quão desinteressado, substitua a indiferença habitual.
Qualquer ferida emocional cicatrizada pode reaÂbrir-se de um para outro momento, porquanto não erÂradicada a causa desencadeadora, os tecidos psicolóÂgicos estarão muito frágeis, rompendo-se com facilidade, pela falta de resistência aos impactos enfrentaÂdos.
A questão da felicidade, por isso mesmo, é muito relativa. Se a felicidade são os divertimentos, ou é o prazer, ei-la de fácil aquisição. No entanto, se está radiÂcada na plenitude, muito complexa é a engrenagem que a aciona.
De certo modo, ela somente se expressa em totaliÂdade, quando o artista conclui a obra a que se entrega, o santo ao ministério de amor a que se devota, o cientista realiza a pesquisa exitosa, o pensador atinge com a sua mensagem o mundo que o aguarda, o cidadão comum se sente em paz consigo mesmo… O dar-se, a que se refere o Evangelho, certamente é a melhor meÂtodologia para alcançar-se essa ventura que harmoniÂza e plenifica.
Toda vez, portanto, que alguém sinta incompletuÂde, insegurança, seja visitado pelos sentimentos inquiÂetadores da insegurança, do medo, da raiva e da inveja injustificáveis, exceção feita aos estados patológicos profundos, as feridas da infância estão ainda abertas ou reabrindo-se, e necessitando com urgência de cicaÂtrização.
Joana de Ângelis – Psicografado por Divaldo franco