31 LINGUAGEM ENÉRGICA – DIÁLOGO COM AS SOMBRAS HERMÍNIO C. MIRANDA 2.5/5 (2)

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Sem dúvida alguma, a tônica do nosso diálogo com os irmãos desnorteados é a paciência, apoiada na compreensão e na tolerância.
Nada de precipitações e ansiedades.
Bastam as ansiedades do irmão que nos visita e, se pretendemos minorá-las, temos que contrapor, às suas aflições, a nossa tranqüilidade.
Se o companheiro éagressivo e violento, o esforço deve ser redobrado, da nossa parte, em não nos deixarmos envolver pela sua “faixa”.
A voz precisa continuar calma, em tom afável, sem precisar ser melosa; mas éimprescindível que seja sustentada pela mais absoluta sinceridade e por um legitimo sentimento de amor fraterno, sem pieguice.

Isto não exclui, por certo, a necessidade, às vezes, de uma palavra mais enérgica; mas, o momento de dizê-la tem que ser buscado com extrema sensibilidade, tato e oportunidade.
E, se for necessário dizê-la, é preciso que a voz não se altere a ponto de soar violenta, autoritária ou rude.
A energia não está no tom de voz, mas naquilo que dizemos.

Certo Espírito apresentou-se-nos, certa vez, em estado de terrível agitação.
Caíra em poder de implacável hipnotizador, que o reduzira ao mais extremo desespero.
Aproveitando-se da incorporação ao médium e da proteção do grupo, falou aflitivamente de seu problema.
Este é o irmão a que já me referi, ao contar que, depois de recolhido pelos trabalhadores espirituais, recaíra em poder de seu perseguidor.
Quando me levanto para ajudá-lo, reclama, em altos brados e com desprezo, que de nada valem meus passes e minhas preces.
Deseja morrer, desintegrar-se.
Contraditoriamente, diz, a seguir, que se vingará implacavelmente de seu obsessor, quando conseguir pegá-lo.
Está possuído de intenso ódio e de muita revolta.
A uma palavra minha, diz que sim, que pediu a Deus, mas que isso de nada adiantou.

Este é o momento em que certa dose de energia torna-se de imperiosa necessidade.
Ele foi recolhido, pelo nosso grupo, em estado de pânico e aflição indescritíveis, pois desencarnara, muito jovem, em condições dolorosas e trágicas.
Foi socorrido e encaminhado a uma instituição hospitalar do Espaço.
A despeito de todo o cuidado, e do carinho de nossos dedicados irmãos, resvala novamente no precipício da desarmonia, que o recoloca à mercê de seus perseguidores.
Agora, mais desarvorado do que nunca, exige uma solução para o seu caso, deblaterando contra a ineficácia dos nossos métodos de trabalho.

É hora de falar-lhe com mais firmeza, ainda que sem o mais leve traço de arrogância, de ressentimento ou de condenação.
Ele precisa, ainda e sempre, de compreensão e de esclarecimento, mas tem que reconhecer, também, que Deus não se acha à nossa disposição, para atender a qualquer capricho ou cumprir ordens.

Digo-lhe, pois, que ele não pediu a Deus; ele tentou exigir de Deus um imediato alívio para os seus males, que, afinal de contas, são decorrência de suas próprias faltas contra a lei divina.
Não é assim que as coisas funcionam.
Por outro lado, também não posso lhe tirar a dor, como num passe de mágica.
Ele deve convencer-se de que precisa ser mais humilde, mais paciente.
A essa altura, porém, seu hipnotizador, que se achava presente, recomeçou a indução, para impedir que ele escapasse novamente do seu poder.

Um deles tentou aliciar a atenção de um dos componentes do grupo — uma jovem senhora — explorando sua repugnância por baratas e ratos.
Dizia que a sala estava cheia de baratas “astrais”,

que subiam pelo corpo dela, e de ratos que corriam de um lado para outro.
Tomou um pequeno lenço, que se achava sobre a mesa, e largou-o sobre as mãos que ela conservava pousadas sobre os olhos fechados.
Ela se manteve firme, e eu também não lhe disse nada, deixando-o “brincar” um pouco.
Durante nossa conversa anterior — confirmada no prosseguimento do diálogo — ele nos dera inequívoca demonstração de capacidade intelectual, poder de oratória, habilidade como argumentador, agressividade e arrojo.
Era um líder, um “professor” de Doutrina Espírita.
A cena com as “baratas” e os “ratos astrais” era, no mínimo, incongruente, e revelava desespero, como quem apela para um recurso extremo, quando falham os outros.
Percebera, por certo, que não conseguia convencer-nos pela argumentação.
Achei, porém, que não era ainda a oportunidade de falar-lhe, mais a sério, sobre os seus “recursos”.

Na reunião seguinte pareceu-me que o momento propício chegara.
A certo ponto, desviei sua conversação animada, sobre a “doutrina” de Kardec, para o problema das baratas:

— Como é que você — disse-lhe eu —, um homem assim inteligente e culto, que se diz líder e mestre, faz uma brincadeira como aquela, de baratinhas e ratinhos astrais?

Ele parece ter sido apanhado de surpresa; pensou, talvez, que, como eu deixara passar a ocasião de falar, na sessão anterior, o episódio ficara esquecido.
Algo desconcertado, disse-me, evasivamente, como quem se desculpa:

— Foi o que encontrei aqui.
.
.

Mas estava evidentemente desbalanceado, e, muitas vezes, um pequeno incidente, como este, fácilita-nos o acesso à verdadeira motivação da sua problemática.
Mas, não nos esqueçamos, o momento tem que ser oportuno e, para isso, só podemos contar com a intuição, dado que os Espíritos que nos ajudam não nos transformam em meros repetidores de suas palavras; eles nos orientam e assistem, mas deixam a nosso critério a condução do diálogo.
Raramente interferem e, quando isto se torna imperioso, fazem-no com extrema discrição, limitando-se a transmitir uma pequena informação, para que o próprio doutrinador a desenvolva, com seus recursos.

Em casos excepcionais, sob condições especiais, mentores espirituais, presentes, incorporam-se em outros médiuns, para doutrinar o Espírito manifestado.
É comum, nestes casos, falarem com inusitada energia e firmeza, e, no entanto, sem o menor traço de rancor, de impaciência, de agressividade.
Um desses companheiros amados, certa vez disse um “Basta!”, com incontestável autoridade, ao Espírito que deblaterava com arrogância e impertinência.

O problema da palavra enérgica é, pois, extremamente delicado.
Se pronunciada antes da hora, no momento inoportuno, pode acarretar inconvenientes e perigos incontornáveis, pois que não podemos esquecer-nos de que os Espíritos desarvorados empenham-se, com extraordinário vigor e habilidade, em arrastar-nos para a altercação e o conflito, clima em que se sentem muito mais à vontade do que o doutrinador.
Se este “topar a briga”, estará arriscando-se a sérias e imprevisíveis dificuldades.
Não pode, por outro lado, revelar-se temeroso e intimidado.
Esse meio-termo, entre destemor e intrepidez, é a marca que distingue um doutrinador razoável de um incapaz, pois os bons mesmo são rarissimos.
E aquele que se julga um bom doutrinador está a caminho de sua própria perda, pois começa a ficar vaidoso.
Os próprios Espíritos desequilibrados encarregam-se de demonstrar que não há doutrinadores impecáveis.
Muitas vezes envolvem, enganam e mistificam.
Se o doutrinador julga-se invulnerável e infalível, está perdido: é melhor passar suas atribuições a outro que, embora não tão qualificado intelectual-mente, tenha melhor condição, se conseguir manter-se ao mesmo tempo firme e humilde.

A interferência enérgica é, pois, uma questão de oportunidade; precisa ser decidida à vista da psicologia do próprio Espírito manifestante, e da maneira sugerida pela intuição do momento.
Nunca deve ir à agressividade, à irritação, à cólera, e jamais ao desafio.
Qualquer um de nós redobra suas energias, quando desafiado.
É humano, é incontestavelmente humano, esse impulso.
Quando alguém põe em dúvida um, que seja, dos nossos mais modestos atributos, tratamos logo de provar que, ao contrário, é naquilo que somos bons.

Ademais, seria desastroso recuar, intimidado, depois de uma observação mais enérgica.
O Espírito perturbado tiraria disto o melhor partido possível, para os seus fins.
Uma das muitas armas que manipulam, com extrema habilidade, é a do ridículo.
Se cairmos na tolice de dizer-lhes algo que não podemos sustentar, ou em que transpareça uma pequena pitada de cinismo, de hipocrisia ou de prepotência, estaremos em apuros muito sérios.

É preciso, pois, estarmos atentos e preparados para interferir com mais energia, certos de que firmeza não é estupidez, nem grosseria, e que o mais profundo amor fraterno pode e deve coexistir no mesmo impulso de exortação franca e corajosa.
Precisamos saber quando dizer que eles estão errados, e por quê.
Nada de gritos e murros na mesa.

Esses momentos de firmeza são também necessários quando o Espírito entra no processo que costumo chamar de “crise”, ou seja, quando começa a perceber que está cedendo.
Ainda veremos isto mais adiante, neste livro.
Baste aqui dizer que a energia, neste caso, tem que ser ainda mais adoçada, encorajadora, e não repressiva.

Em suma, a palavra enérgica é necessária, indispensável, mesmo, em freqüentes ocasiões, porque em muitos casos é fator decisivo no despertamento do irmão aturdido; mas deve ser dosada, com extrema sensibilidade, e, o momento certo, escolhido com seguro tato.

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