NÃO RESISTAIS AO QUE VOS FIZER MAL – Rodolfo Calligaris – O Sermão da Montanha

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A ocupação da Palestina, naquele tempo, ensejava constantes

motivos de irritação para os judeus.

É que ali, como em todas as regiões que havia conquistado, a

soldadesca romana impunha aos vencidos uma dependência

odiosa e intolerável, tantas as humilhações e os vexames por que

os faziam passar.

Era comum, por exemplo, um oficial romano dirigir-se de um

ponto a outro da Judeia ou da Galileia e, nessas viagens, obrigar

os camponeses judeus que trabalhavam no campo a

interromperem seus afazeres para carregar-lhe pesados fardos.

Da mesma sorte, quem saísse de casa com um destino qualquer,

nunca poderia ter a certeza de que chegaria ao local desejado, pois,

se lhe acontecesse encontrar pelo caminho algum representante

das autoridades dominantes, poderia ser obrigado a retroceder ou

a mudar completamente de direção, para prestar qualquer serviço

que lhe fosse exigido.

Tentasse alguém reagir contra essas arbitrariedades e

conheceria logo o preço de sua ousadia: o sarcasmo e crueldades

inomináveis.

É de calcular-se, portanto, a amargura com que os judeus

tinham de curvar-se em homenagem às bandeiras romanas,

sempre que as viam passar conduzidas pelas tropas de César, e

com que ardor aguardavam o dia em que pudessem sacudir o jugo

do opressor.

***

Achava-se Jesus ensinando ao povo, nas cercanias de uma

cidade que era sede de uma guarnição romana, quando a vista de

uma companhia de soldados fez que seus ouvintes evocassem a

lembrança do infortúnio que pesava sobre o povo israelita.

O Mestre relanceou o olhar pelos que o circundavam e, em suas

faces, viu estampado, de forma indisfarçável, o anseio de vingança

que se aninhava em cada coração.

Percebendo que todos o fitavam ansiosamente, esperando fosse

Ele aquele que houvesse de lhes dar o poder, a fim de esmagarem

seus dominadores, contristou-se, pois bem diferente era a sua

missão, e, retomando a palavra, disse-lhes com brandura:

“Tendes ouvido o que foi dito: olho por olho e dente por dente.

Eu, porém, vos digo: não resistais ao que vos fizer mal.
Se alguém

te ferir na face direita, oferece-lhe também a outra; ao que quer

demandar contigo em juízo, para tirar-te a túnica, larga-lhe

também a capa; e se qualquer te obrigar a caminhar com ele mil

passos, vai com ele ainda mais outros dois mil”.
(Mateus, 5:38 a

41.
)

Expressando-se dessa maneira, é claro que Jesus não estava a

endossar as violências com que a tirania militar da época

acostumara-se a supliciar os subjugados.
Longe disso.

O que Ele quis ensinar nessa oportunidade, como aliás o fez

durante toda a sua vida terrestre, foi que, malgrado a regra

estatuída por Moisés — “olho por olho e dente por dente”, a Lei

do Amor que viera revelar proibia terminantemente as desforras,

as vinditas, não sendo lícito a ninguém vingar-se a si mesmo.

Unicamente a Deus pertence punir, assim os indivíduos como

as nações que transgridam os mandamentos de sua Lei.
Melhor do

que nós, sabe Ele como obrigar os que erram a corrigir o erro

cometido contra os semelhantes.

A oportunidade e a importância desses princípios estabelecidos

pelo Mestre incomparável ressaltam ainda hoje.
Fosse permitido

a cada qual fazer justiça por suas próprias mãos, agindo ao sabor

de sua vontade pessoal, e a vida em sociedade seria muito difícil,

tais os desmandos e excessos que se verificariam.

Talvez se indague: pessoalmente, teve o Cristo ocasião de

exemplificar tão sublime ensinamento?

Sim! Foi oprimido e não teve uma expressão de revolta;

cuspiram-lhe na face e não revidou o ultraje; teve as costas

lanhadas, sem malquerer os que o feriam, e, através dos séculos,

chega até nós, da cruz do Calvário, a oração que proferiu por

aqueles que lhe davam a morte: “Pai, perdoa-lhes, porque não

sabem, o que fazem!”.

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