6 Peregrinações e sacrifícios – PAULO E ESTEVÃO – FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

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Em companhia de Silas, que se harmonizara com as suas aspirações de

trabalho, o ex-rabino partiu de Autioquia, internando -se pelas montanhas e

atingindo sua cidade natal, depois de enormes dificuldades.
Breve, o

companheiro indicado por Simão Pedro habituava -se com o seu método de

trabalho.
Silas era um temperamento pacífico, que se enriquecia de notáveis

qualidades espirituais, pelo seu devotamento integral ao Divino Mes tre.
Paulo,

por sua vez, estava plenamente satisfeito com a sua colaboração.
Palmilhando

longos e impérvios caminhos, alimentavam-se parcamente, quase só de frutas

silvestres eventualmente encontradas.
O discípulo de Jerusalém, todavia,

revelava alegria uniforme em todas as circunstâncias.

Antes de atingir Tarso, pregaram a Boa Nova, no curso mesmo da viagem.

Soldados romanos, escravos misérrimos, car avaneiros humildes, receberam de

seus lábios as confortadoras notícias de Jesus.
E não poucos escreveram, à

pressa, uma que outra das anotações de Levi, preferindo as que mais se

ajustavam ao seu caso particular.
Por esse processo, o Evangelho difundia -se,

cada vez mais, enchendo de esperanças os corações.

Na cidade do seu berço, mais senhor das convicções próprias, o tecelão

que se consagrara a Jesus espalhou a mancheias os júbilos do Evangelho da

Redenção.
Muitos admiraram o conterrâneo, cada vez mais sin gularmente

transformado; outros prosseguiram na tarefa ingrata da ironia e do lamentável

esquecimento de si mesmos.
Paulo, no entanto, sentia -se forte na fé, como

nunca.
Defrontou a velha casa em que nascera, reviu o sítio ameno onde

brincara os primeiros tempos da infância; contemplou o campo de esportes

onde guiara sua biga romana; mas exumou as recordações sem lhes sofrer a

influência depressiva, porque tudo entregava ao Cristo como patrimônio em

cuja posse poderia entrar mais tarde, quando houvesse cum prido seu divino

mandato.

Depois de breve permanência na capital da Cilícia, Paulo e Silas

procuraram alcançar os cumes do Tauro, empreendendo nova etapa da rude

peregrinação em começo.

Noites ao relento, sacrifícios numerosos, ameaças de malfeitores, per igos

sem conta foram enfrentados pelos missionários que, todas as noites,

entregavam ao Divino Mestre os resultados da recolta e, pela manhã, rogavam

à sua misericórdia não lhes faltasse com a valiosa opor tunidade de trabalho,

por mais dura que fosse a tarefa diária.

Cheios dessa confiança ativa, chegaram a Derbe, onde o ex -rabino

abraçou comovidamente os amigos que ali chegara a fazer, após a dolorosa

convalescença, quando da primeira excursão.

O Evangelho continuava, a estender seu raio de ação em todos os setores.

Profundamente sensibilizado, o con vertido de Damasco, no desdobramento

natural do serviço, começou a obter notícias da ação de Timóteo.
O jovem filho

de Eunice, pelo que lhe informavam, soubera enriquecer, de maneira

prodigiosa, os conhecimentos adquiridos.
A pequena cristandade de Derbe já

lhe devia grandes benefícios.
Por mais de uma vez, o novo discípulo ali

acorrera em missões ativas.
Disseminava curas e con solações.
Seu nome era

abençoado de todos.
Cheio de júbilo, após o término de suas tarefas naquela

cidade pequenina, o ex-rabino demandou Listra, com ansiedade carinhosa.

245

Lóide o recebeu, bem como a Suas, com a mesma satisfação da primeira

vez.
Todos queriam notícias de Barnabé, que Paulo não deixava de fornecer,

solícito e prazenteiro.
Na tarde desse dia, o convertido de Damasco abraçou

Timóteo com imensa alegria a transbor dar-lhe da alma O rapaz chegava da

faina diária junto dos rebanhos.
Em breves minutos, Paulo conhecia a extensão

dos seus progressos e conquistas espirituais.
A com unidade de Listra estava

rica de graças.
O moço cristão conseguira a renovação de muita gente: dois

judeus dos mais influentes na administração pública, destacados entre os que

promoveram a lapidação do Apóstolo, eram agora seguidores fiéis da doutrina

do Cristo.
Cuidava-se da construção de uma igreja, onde os doentes fossem

amparados e as crianças abandonadas encontrassem um ninho acolhedor.

Paulo regozijou-se.

Naquela mesma noite, houve em Listra grande as sembléia.
O Apóstolo dos

gentios encontrou uma atmosfera carinhosa, que lhe prodigalizava grande

conforto.
Expôs o objetivo de sua viagem, revelando suas preo cupações pela

difusão do Evangelho e acrescentando o assunto pertinente à igreja de

Jerusalém.
Como em Derbe, todos os companheiros contribuíram com o possível.

Paulo não cabia em si de contentamento, obser vando o triunfo tangível

do esforço de Timóteo nas camadas populares.

Aproveitando sua passagem por Listra, a bondosa Lóide confidenciou -lhe

suas necessidades particulares.
Ela e Eunice tinham parentes na Grécia, por

parte do pai de seu neto, os quais lhes reclamavam a presença pessoal, a fim

de que não lhes faltassem com os socorros afetuosos, Os recursos que lhes

restavam, em Listra, estavam prestes a esgotar -se.

Por outro lado, desejava que Timóteo se consagrasse ao serviço de Jesus,

iluminando o coração e a inteligência.
A generosa velhinha e a filha projetavam,

então, a mudança definitiva e consultavam o Apóstolo sobre a possibilidade de

aceitar a companhia do rapaz, pelo menos durante alg um tempo, não só para

que ele adquirisse novos valores no terreno da prática, como também porque

isso facilitaria a transferência de todos para lugar tão distante.

Paulo acedeu de bom grado.
Aceitaria a cooperação de Timóteo com

sincero prazer.
O rapaz, a seu turno, conhecendo a decisão, não sabia como

traduzir seu profundo reconhecimento, com transportes de alegria.

Nas vésperas da partida, Silas entrou prudentemente no assunto e

perguntou ao Apóstolo se não era de bom alvitre operar a circuncisão do moço ,

a fim de que o judaísmo não perturbasse os labores apostólicos.
Em socorro de

sua argüição, invocava os obstáculos e lutas acerbas de Jerusalém.
Paulo

meditou bastante, recordou a necessidade de espalhar o Evangelho sem

escândalo para ninguém, e concordo u com a medida aventada.
Timóteo teria

de pregar publicamente.
Conviveria com os gentios, mas, maiormente, com os

israelitas, senhores das sinagogas e de outros centros, onde a religião era

ministrada ao povo.
Era justo refletir na providência para que o m oço não fosse

incomodado em sua companhia.

O filho de Eunice obedeceu sem hesitação.
Daí a dias, despedindo -se dos

irmãos e das generosas mulheres que ficavam a chorar nos votos de paz em

Deus, os missionários demandaram Icônio, cheios de coragem in dômita e do

firme propósito de servir a Jesus.

No espírito amoroso de pregação e fraternidade, dilatando o poder do

Evangelho redentor sobre as almas e jamais esquecendo o auxílio à igreja de

Jerusalém, os discípulos visitaram todas as pequeninas aldeias da Ga lácia,

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demorando-se algum tempo em Antioquia de Pisí dia, onde trabalharam, de

algum modo, para se manterem a si mesmos.

Paulo estava satisfeitíssimo.
Seus esforços, em com panhia de Barnabé,

não haviam sido improfícuos.
Nos lugares mais remotos, quando me nos

esperava, eis que surgiam notícias das igrejas anteriormente fundadas.
Eram

benefícios a necessitados, melhoras ou curas de enfermos, consolações aos

que se encontravam em extremo desespero.
O Apóstolo experimentava o

contentamento do semeador que defronta as primeiras flores, como radiosas

promessas do campo.

Os emissários da Boa Nova atravessaram a Frígia e a Galácia sem

perseguições de grande envergadura.
O nome de Jesus era, agora,

pronunciado com mais respeito.

O ex-rabino continuava em franca atividade para a difusão do Evangelho

na Ásia, quando, uma noite, após as preces habituais, ouviu uma voz que lhe

dizia com amoroso acento:

— Paulo, sigamos adiante .
.
.
.
Levemos a luz do Céu a outras sombras;

outros irmãos te esperam no caminho infinito!.
.
.

Era Estevão, o amigo de todos os minutos, que, representando o Mestre

Divino junto do Apóstolo dos gentios, o concitava à semeadura noutros rumos.

O valoroso emissário das verdades eternas compre endeu que o Senhor

lhe reservava novos campos a des bravar.
No dia seguinte, informando Silas e

Timóteo do sucedido, concluía inspirado:

—Tenho, assim, que o Mestre me chama a novas tarefas.
Ë justo.
Aliás,

reconheço que estas regiões já receberam a semente divina.

E acentuava depois de uma pausa:

— Desta vez, já não encontramos muitas dificulda des.
Antes, com Barnabé,

experimentamos as expulsões, o cárcere, os açoites, o apedrejamento.
.
.
Agora,

porém, nada disso aconteceu.
Quer dizer que por aqui já existem bases

seguras para a vitória do Cristo.
É preciso, por tanto, caminhar para onde se

encontrem os obstáculos e vencê -los, para que o Mestre seja conhecido e

glorificado, pois nós estamos numa batalha e é necessário não desprezar as

frentes.

Os dois discípulos ouviram e procuraram meditar na grandeza de

semelhantes conceitos.

Decorrida uma semana, lá se foram a pé, procurando a Mísia.
E contudo,

intuitivamente, Paulo percebeu que não seria ainda ali o novo campo de

operações.
Pensou em se dirigir para a Bitínia, mas a voz que o gene roso

Apóstolo interpretava como sendo a do “Espírito de Jesus” (1), sugeriu -lhe a

alteração do trajeto, induzindo-o

(1) Atos, capítulo 16º, versículo 7.
— (Nota de Emmanuel)

a descer para Trôade.
Chegados ao ponto do destino, acolheram -se

cansadíssimos, numa hospedaria modesta.
E P aulo, numa visão significativa

do espírito, viu um homem da Macedônia, que identificou pelo ves tuário

característico, a acenar-lhe ansiosamente, exclamando: — “Vem e ajuda-nos!”

O ex-doutor interpretou o fato como ordenação de Jesus, a respeito de seus

novos encargos.
Cientificou os companheiros logo pela manhã, não sem

ponderar a extrema dificuldade da viagem por mar, baldo que estava de

recursos.

—Entretanto, concluía, creio que o Mestre lá nos facultará o necessário.

247

Silas e Timóteo calaram-se respeitosoS.

Saindo à rua cheia de sol, pela manhã, eis que o Apóstolo fixa o olhar

numa casa de comércio e para lá se dirige com ansiosa alegria.
Era Lucas que

parecia fazer compras.

O ex-rabino aproximou-se com os discípulos, e bateu-lhe carinhosamente

no ombro:

—Por aqui? — disse Paulo, com grande sorriso.

Abraçaram-se alegremente.
O pregador do Evange lho apresentou ao

médico os novos companheiros, falan do-lhe dos objetivos de sua excursão por

aquelas paragens.
Lucas, a seu turno, explicou que, havia dois a nos, era

encarregado dos serviços médicos, a bordo de grande embarcação ali

ancorada, em trânsito para Samotrácia.

Paulo recebeu a informação com profundo interesse.
Muito impressionado

com o encontro, deu-lhe a conhecer a revelação auditiva do roteiro, b em como

a vidência da véspera.

E convicto da assistência do Mestre naquele ins tante, falava com

segurança:

— Estou certo de que o Senhor nos envia os recur sos necessários na tua

pessoa.
Precisamos transportar -nos à Macedônia, mas estamos sem dinheiro.

— Quanto a isso — respondeu Lucas, com fran queza —, não te

preocupes.
Se não tenho fortuna, tenho vencimentos.
Seremos companheiros

de viagem e tudo pagarei com muita satisfação.

A palestra prosseguiu animada, relatando o antigo hóspede de Antioquia

as suas conquistas para Jesus.
Nas suas viagens, havia aproveitado todas as

oportunidades em prol do Evangelho, transmitindo a quantos se lhe

aproximavam os tesouros da Boa Nova.
Quando con tou que estava só no

mundo, com a partida da genitora para a esfera espi ritual, Paulo fez-lhe nova

observação, acentuando:

— Ora, Lucas, se te encontras sem compromissos imediatos, por que não

te dedicas inteiramente aos trabalhos do Mestre Divino?

A pergunta produziu certa emoção no médico, como se valesse por uma

revelação.
Passada a surpresa, Lucas acrescentou, um tanto indeciso:

— Sim, mas há que considerar os deveres da pro fissão.
.

— Mas, quem foi Jesus senão o Divino Médico do mundo inteiro? Até agora

tens curado corpos, que, de qualquer modo, cedo ou tarde hão de perec er.

Tratar do espírito não seria um esforço mais justo? Com isso não quero dizer

que se deva desprezar a medicina pro priamente do mundo; no entanto, essa

tarefa ficaria para aqueles que ainda não possuem os valores espiri tuais que

trazes contigo.
Sempre acreditei que a medicina do corpo é um conjunto de

experiências sagradas, de que o homem não poderá prescindir, até que se

resolva a fazer a experiência divina e imutável, da cura espi ritual.

Lucas meditou seriamente nessas palavras e re plicou:

— Tens razão.

— Queres cooperar conosco na evangelização da Macedônia? —

interrogou o ex-rabino sentindo-se triunfante.
Irei contigo — concluiu Lucas.

Entre os quatro discípulos do Cristo houve enorme júbilo.

No dia seguinte, a missão navegava para a Samotrácia.
Lucas explicou-se

como pôde,

Solicitando ao comando a permissão de se afastar por um ano dos serviços

a seu cargo.
E porque apresentasse substituto, conseguiu com facilidade o seu

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intento.

A bordo, como fazia em toda parte, Paulo aproveitou todos os ensej os para

a pregação.

As menores margens eram grandes temas evangélicos no seu raciocínio

superior, O próprio comandante, romano de boa têmpera, abandonava -se

prazerosamente ao gosto de ouvi -lo.

Foi nessas viagens que Paulo de Tarso travou rela ções com grande círculo

de simpatizantes do Evangelho, conquistando numerosos amigos, citados nas

futuras epístolas.

Desembarcados, os missionários, enriquecidos com a cooperação de

Lucas, descansaram dois dias em Neápolis, dirigindo -se em seguida para

Filipes.
Quase às portas da cidade, Paulo sugeriu que Lucas e Timóteo se diri –

gissem, por outros caminhos, para Tessalônica, onde os quatro se reuniriam

mais tarde.
Com esse programa, nem uma aldeia ficaria esquecida e as

sementes do Reino de Deus seriam espalhadas nos meios mais simples.
A

idéia foi aprovada com satisfação.

Lucas não deixou de perguntar se Timóteo era cir cuncidado.
Conhecia as

tricas dos judeus e não desejava atritos nas suas tarefas iniciais.

—Esse problema — esclareceu o Apóstolo dos gen tios — já foi

necessariamente atendido.
As duas humilhações infligidas a um jovem

confrade que levei a Jerusalém, não a conselho da sinagoga, mas a uma

reunião da igreja, levaram-me a refletir na situação de Timóteo, que precisará,

muitas vezes, dos favores dos isra elitas no curso das pregações.
Até que Deus

opere a circuncisão de tantos corações endurecidos, é indis pensável saibamos

agir com prudência, sem atritos que nos inutilizem os esforços.

Esclarecido o assunto, entraram na cidade onde o médico e o jovem de

Listra descansariam um pouco, antes de tomarem o rumo de Tessalônica por

estradas diferentes, de modo a multiplicar os frutos da missão.

Hospedaram-se num albergue quase miserável que a população da cidade

reservava aos estrangeiros.
Depois de três noites a o relento, os amigos de

Jesus dirigiram-se à casa de oração, que ficava à margem do rio Gangas.

Filipes não possuía sinagoga e o santuário destinado às preces, embora

tomasse o titulo de “casa”, não era mais que um recanto ameno da Natureza,

rodeado de muros em ruínas.

Ciente da situação religiosa da cidade, Paulo diri giu-se para lá com os

companheiros.
Muito surpreendi dos, entretanto, os missionários não

encontraram senão senhoras e meninas em oração.
O ex -rabino penetrou

resolutamente no círculo feminino e falou dos objetivos do Evangelho, como se

estivesse diante de imenso público.
As mulheres estavam magnetizadas por

sua palavra ardorosa e sublime.
Enxugavam discretamente as lágrimas que

lhes afluiam ao rosto, ao receberem notícias do Mes tre, e uma delas, chamada

Lídia, viúva digna e generosa, aproximou -se dos missionários e, confessando –

se convertida ao Salvador esperado, oferecia -lhes a própria casa para

fundarem a nova igreja.

Paulo de Tarso contemplou-a de olhos úmidos.
Escutando-lhe a voz

desbordante de cristalina sinceridade, recordou que no Oriente, no dia

inesquecível do Calvário, só as mulheres haviam acompanhado Jesus no

doloroso transe, sendo as primeiras criaturas que o viram na gloriosa

ressurreição; e eram ainda elas que, em doce reuniã o espiritual, vinham

receber a palavra do Evangelho no Ocidente, pela primeira vez.
Em silenciosa

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contemplação, o Apóstolo dos gentios fixou o grande número de meninas que

se ajoelhavam à sombra carinhosa das árvores.
Observando -lhes os trajes

muito claros, teve a impressão de que via à sua frente um gracioso bando de

pombas muito alvas, prestes a desferir o vôo glorioso dos ensinamentos do

Cristo, pelos céus maravilhosos da Europa.

Foi por isso que, contrariamente à expectativa dos companheiros, o

enérgico pregador respondeu à Lídia em tom muito afável.

—AceitamoS vossa hospedagem.

Desde aquele minuto, travou-se entre Paulo de Tarso e sua carinhosa

igreja de Filipes a mais formosa amizade.

Lídia, cuja casa era muito abastada, em vista do movimento comerci al de

púrpuras, acolheu os discípulos do Messias com júbilo indescritível.
Enquanto

isso, Lucas e Timóteo continuavam a viagem.
Silas e o ex -doutor de Jerusalém

consagravam-se ao serviço do Evangelho, entre os generosos filipenses.

A cidade singularizava-se por seu espírito romano.
Havia nas ruas vários

templos dedicados aos deuses an tigos.
E como apenas as mulheres

procuravam o recinto da casa de orações, Paulo, com o desassombro que o

caracterizava, deliberou fazer pregações do Evangelho na praça pública .

Na mesma época, possuía Filipes uma pitonisa que se celebrizara nas

redondezas.
Como nas tradições de Delfos, suas palavras eram interpretadas

como oráculo infalível.
Tratava-se de uma rapariga cujos patrões pro curaram

mercantilizar seus poderes psíquic os.
A mediunidade era utilizada por Espíritos

menos evoluídos, que se compraziam em dar palpites sobre motivos de ordem

temporal.
A situação era altamente rendosa para os que a exploravam

descaridosamente.
Aconteceu que a jovem estava presente à primeira

pregação de Paulo, recebida pelo povo com êxito inexcedível.
Terminado a

exposição evangélica, os missionários observam a moça que, em grandes

brados que impressionavam o público, se põe a exclamar:

— Recebei os enviados do Deus Altíssimo!.
.
.
Eles anunciam a salvação!.
.
.

Paulo e Silas ficaram um tanto perplexos; entre tanto, nada replicaram,

conservando o incidente no cora ção, em atitude discreta.
No dia seguinte,

porém, repetia-se o fato e, durante uma semana, os discípulos do Evangelho

ouviram, após as pregações, a entidade que se assenhoreava da jovem,

atirando-lhes elogios e títulos pomposos.

O ex-rabino, no entanto, desde a primeira manifes tação procurara saber

quem era a rapariga anônima e ficou conhecendo os antecedentes do caso.

Estimulados pelo ganho fácil, os patrões haviam instalado um gabi nete onde a

pitonisa atendia às consultas.
Ela, por sua vez, de vítima ia passando a sócia

da empresa, que pingues eram os rendimentos.
Paulo, que nunca se con –

formou com a mercancia dos bens celestes, percebe u o mecanismo oculto dos

acontecimentos e, senhor de todos os particulares do assunto, esperou que o

visitante do invisível novamente aparecesse.

Assim, terminada a pregação na praça, quando a jovem começou a gritar:

“Recebei os mensageiros da redenção! Nã o são homens, são anjos do

Altíssimo!.
.
.
” — o convertido de Damasco desceu da tribuna a passos firmes e,

aproximando-se da locutora dominada por estranha influência, íntimou a

entidade manifestante, em tom imperativo:

—Espírito perverso, não somos anjos , somos trabalhadores em luta com

as próprias fraquezas, por amor ao Evangelho; em nome de Jesus -Cristo

ordeno que te retires para sempre! Proibo -te, em nome do Senhor, esta –

250

beleceres confusão entre as criaturas, incentivando inte resses mesquinhos do

mundo em detrimento dos sagrados interesses de Deus!

Imediatamente, a pobre rapariga recobrou energias e libertou -se da

atuação malfazeja.

O fato provocou enorme admiração popular.

O próprio Silas que, de algum modo, se comprazia em ouvir as afirmações

da pitonisa, interpretando-as como um conforto espiritual, estava boquiaberto.

Quando se viram a sós, quis lhe dissesse Paulo os motivos que o levaram

a semelhante atitude, e perguntou-lhe:

—Acaso não falava ela do nome de Deus? Sua pro paganda não seria para

nós valioso auxílio?

O Apóstolo sorriu e sentenciou:

— Porventura, Silas, poder-se-á na Terra julgar qualquer trabalho antes de

concluído?

Aquele Espírito poderia falar em Deus, mas não vinha de Deus.
Que

fizemos para receber elogios? Dia e noite, estamos lutando contra as

imperfeições de nossa alma.
Jesus man dou que ensulássemos, a fim de

aprendermos duramente.
Não ignoras como vivo em batalha com o espinho

dos desejos inferiores.
Então? Seria justo aceitarmos títulos imerecidos quando

o Mestre rejeitou o qualificativo de “bom”? Claro que, se aquele Espírito viesse

de Jesus, outras seriam suas palavras.
Estimularia nosso esforço,

compreendendo nossas fraquezas.

Além do mais, procurei informar -me a respeito da jovem e sei que ela é

hoje a chave de grande movimento comercial.

Silas impressionou-se com os esclarecimentos mais que justos.
Mas, dando

a entender suas dificuldades para os compreender integralmente, acrescentou:

— Todavia, será o incidente uma lição para não entretermos relações com

o plano invisível?

– Como pudeste chegar a semelhante conclusão? — respondeu o ex-rabino

muito admirado.

– O Cristianismo sem o profetismo seria um corpo sem alma.
Se fecharmos

a porta de comunicação com a esfera do Mestre, como receber seus ensinos?

Os sacerdotes são homens, os templos são de pedra.
Que seria de nossa

tarefa sem as luzes do plano superior? Do solo brota muito alimento, mas,

apenas para o corpo; para a nutri ção do espírito é necessário abrir as

possibilidades de nossa alma para o Alto e con tar com o amparo divino.
Nesse

particular, toda a nossa atividade repousa nas dádivas recebidas.
Já pensaste

no Cristo sem ressurreição e sem intercâmbio com os discípulos? Ninguém

poderá fechar as portas que nos comunicam com o Céu.

O Cristo está vivo e nunca morrerá.
Conviveu com os amigos, depois do

Calvário, em Jerusalém e na Galiléia; trouxe uma chuva de luz e sabedoria aos

cooperadores galileus, no PentecosteS; chamou -me às portas de Damasco;

mandou um emissário para a libertação de Pedro, qu ando o generoso

pescador chorava no cárcere.
.
.

A voz de Paulo tinha acentos maravilhosos, nessas profundas evocações.

Silas compreendeu e calou-se, de olhos rasos de pranto.

O incidente, entretanto, teria mais vastas reper cussões, além daquelas que

os Apóstolos do Mestre poderiam esperar.
A pitonisa não mais recebeu a visita

da entidade que distribuía palpites de toda sorte.
Em vão, os consulentes

viciados lhe bateram à porta.
Ven do-se privados da renda fácil, os prejudicados

251

fomentaram largo movimento de revolta contra os missionários.
Espalhava -se o

boato de que Filipes, em virtude da audácia do pregador revolucionário, fora

privada da assistência dos Espíritos de Deus.
Os fanáticos exaltaram -se.

Daí a três dias, Paulo e Silas foram surpreendidos, em p lena praça, com um

ataque do povo e foram presos a troncos pesadíssimos e flagelados, sem

compaixão.
Sob os apupos da massa ignorante, submeteram -se, com humildade,

ao suplício.
Quando sangravam sob as varas impie dosas, houve a

intervenção das autoridades e foram então conduzidos ao cárcere, abatidos e

cambaleantes.
Dentro da noite escura e dolorosa, incapacitados de dormir,

pelas dores crudelíssimas, os discípulos de Jesus vigiaram em preces ungidas

de luminoso fervor.

Lá fora, rugia a tempestade em trov ões terríveis e ventos sibilantes.
Filipes

inteira parecia abalada em seus alicerces pela tormenta fragorosa.
Passava da

meia-noite e os dois Apóstolos oravam em voz alta.
Os prisioneiros vizinhos,

vendo-os em oração, pareciam acompanhá -los, pela expressão do rosto.
Paulo

contemplou-os, através das grades, e, aproximando-se, a custo, começou a

pregar o Reino de Deus.
Ao comentar a tempestade imprevista que se abatera

sobre o ânimo dos discípulos, enquanto Jesus dormia na barca, um fato

maravilhoso feriu os olhos dos encarcerados.
As portas pesadas das nume –

rosas celas se abriram sem ruído.
Silas ficou lívido.
Paulo compreendeu e saiu

ao encontro dos companheiros.
Con tinuou pregando as verdades eternas do

Senhor, com entonação impressionante; e vendo umas dezenas de homens de

peito hirsuto, barbas longas, fisionomias taciturnas, como se estivessem

plenamente esquecidos do mundo, o Apóstolo dos gentios falou, com mais

entusiasmo, da missão do Cristo e pediu que ninguém tentasse fugir.
Os que

se reconhecessem culpados agradecessem ao Pai os benefícios da

corrigenda; os que se julgassem ino centes dessem expansão ao regozijo,

porque só os martírios do justo podiam salvar o mundo.
Esses argumentos de

Paulo contiveram toda a estranha e reduzida assem bléia.
Ninguém procurou

alcançar a porta de saída, senão que, reunindo -se em torno daquele

desconhecido, que tão bem sabia falar aos desgraçados, muitos se ajoelharam

em pranto, convertendo-se ao Salvador que ele anunciava com bondade e

energia.

Ao alvorecer, amainada a tormenta, levanta-se o carcereiro, perturbado

pelo vozerio singular.
Vendo as portas abertas e temendo a sua

responsabilidade, tenta matar -se, instintivamente.
Mas Paulo avança e impos –

sibilita-lhe o gesto extremo, explicando -lhe a ocorrência.
Todos os

encarcerados regressaram humildes ao seu cubículo.
Lucano, o carcereiro,

converte-se à nova doutrina.
Antes que a claridade diurna invadisse a

paisagem, ei-lo que traz aos Apóstolos os socorros de emergência, pensando –

lhes as feridas, sensibilizado como nunca.
Residindo ali mesmo, conduz os

discípulos ao interior domés tico, manda servir-lhes alimento e vinho

reconfortante.
Logo nas primeiras horas, os juizes filipenses são infor mados

dos fatos.
Cheios de temor, mandam libertar os pregadores; mas, Paul o,

desejando oferecer garantias ao serviço cristão que se iniciava na igreja

fundada em casa de Lídia, alega sua condição de cidadão roma no, a fim de

infundir mais respeito aos magistrados de Filipes pelas idéias do profeta

nazareno.
Recusa a ordem de sol tura para exigir a presença dos juízes, que

comparecem receosos.
O Apóstolo anuncia -lhes o Reino de Deus e, exibindo

seus títulos, obriga-os a escutar suas dissertações relativamente a Jesus.
Fê –

252

los sabedores dos trabalhos evangélicos que alvoreciam na cid ade, com a

cooperação de Lídia e comentou o direito dos cristãos em toda parte.
Os

magistrados apresentaram-lhe desculpas, garantiram a manutenção da paz

para a igreja nascente, e, alegando a extensão de suas responsabilida des

perante o povo, rogaram a Paulo e Silas que deixassem a cidade, para evitar

novos tumultos.

O ex-rabino sentiu-se satisfeito e, voltando à resi dência da generosa

purpureira, em companhia de Silas que lhe reconhecia a fortaleza, sem

dissimular o grande espanto, ali demorou alguns d ias traçando o programa dos

trabalhos da nova sementeira de Jesus.
Em seguida, rumou para Tessalônica,

escalando em todos os recantos onde houvesse sítios ou aldeias à espera de

notícias do Salvador.

Nesse novo centro de lutas, reencontraram Lucas e Timóte o que os

aguardavam ansiosos.

Os trabalhos seguiram ativíssimos.
Em toda parte, os mesmos choques.

Judeus preconceituosos, homens de má -fé, ingratos e indiferentes,

conluiavam-se contra o ex-doutor de Jerusalém e seus devotados

companheiros.

Paulo mantinha-se forte e superior nas mínimas refregas.
Sobrevinham

dissabores, angústias na praça pública, acusações injustas, calúnias cruéis;

poderosas ameaças caiam às vezes, inesperadamente, sobre o de sinteresse

divino de suas obras; mas o valoroso discípulo do Senhor prosseguia sempre,

sereno e firme através das tormentas, vivendo estritamente do seu trabalho e

compelindo os amigos a fazerem o mesmo.
Era indis pensável que Jesus

triunfasse nos corações, esse o seu programa primordial.
Desatendia a

qualquer capricho, sobrepunha essa realidade a quaisquer conveniências e a

missão continuava entre dores e obstáculos formidan dos, mas, segura e

vitoriosa em sua divina finalidade.

Depois de incontáveis atritos, com os judeus, em Tessalônica, o ex -rabino

resolveu transferir-se para Beréia.
Novos labores, novas dedicações e novos

martírios.
Os trabalhos missionários, iniciados sempre em paz, con tinuavam

debaixo de lutas extremas.

Os judeus rigorosos, de Tessalônica, não faltaram em Beréia.
A cidade

movimentou-se contra os discípulos do Evangelho, os ânimos exaltaram -se.

Lucas, Timóteo e Silas foram obrigados a afastar -se, perambulando pelas

aldeias circunvizinhas.
Paulo foi preso e açoitado.

A custa de grandes sacrifícios dos simpatizantes de Jesus, deram -lhe

liberdade, com a condição de retirar -Se dentro do menor prazo possível.

O ex-rabino acedeu prontamente.
Sabia que atrás de si e através de

esforços insanos, sempre ficaria uma igreja doméstica, que se alargaria ao

infinito, bafejada pela misericórdia do Mestre, a fi m de proclamar a excelência

da Boa Nova.

Era noite, quando os irmãos de ideal conseguiram trazê -lo do cárcere

para a via pública.

O Apóstolo dos gentios procurou informar -se sobre os companheiros e

soube das vicissitudes que os assoberbavam.
Lembrou que S ilas e Lucas

estavam doentes, que Timóteo neces sitava encontrar-se com a sua mãe no

porto de Corinto.
Era melhor proporcionar aos amigos uma trégua no vórtice

das atividades renovadoras.
Não seria justo re quisitar-lhes a cooperação,

quando ele próprio experimentava a necessidade de repouso.

253

Os irmãos de Beréia insistiam pela sua partida.
Era uma temeridade

provocar novos atritos.
Foi aí que Paulo deliberou pôr em prática um velho

plano.
Visitaria Atenas.
satisfazendo um velho ideal.
Muitas vezes, im –

pressionado com a cultura helênica recebida em Tarso, alimentara o desejo de

conhecer-lhe os monumentos gloriosos, os templos soberbos, o espírito sábio e

livre.
Quando ainda muito jovem, cogitara dessa visita à cidade magnificente

dos velhos deuses, disposto a levar-lhe os tesouros da fé, guardados em

Jerusalém: procuraria as assembléias cultas e independentes e falaria de

Moisés e da sua Lei.
Pensando, agora, na realização de tal projeto,

considerava que levaria luzes muito mais ricas ao espírito ateniense: anunciaria

à cidade famosa o Evangelho de Jesus.
Certo, quando falasse na praça

pública, não encontraria os tumultos, tão do gosto israelita.
Antegozava o

prazer de falar à multidão afeiçoada ao trato das coisas espirituais.

Indubitavelmente, os filósofos esperavam notícias do Cristo, com impaciência.

Teriam nas suas pregações evangélicas o verdadeiro sentido da vida.

Embalado por essas esperanças, o Apóstolo dos gen tios decidiu a viagem,

acompanhado de alguns amigos mais fiéis.
Estes, porém, regressara m das

portas atenienses, deixando-o completamente só.

Paulo penetrou na cidade possuído de grande emo ção.
Atenas ainda

ostentava numerosas belezas exte riores.
Os monumentos de suas tradições

veneráveis estavam quase todos de pé; brandas harmonias vibrav am no céu

muito azul; vales risonhos atapetavam-se de flores e perfumes.
A grande alma

do Apóstolo extasiou-se na contemplação da Natureza.
Recordou os nobres

filósofos que haviam respirado aqueles mesmos ares, reme -morou os fastos

gloriosos do passado ateniense, sentindo-se transportado a maravilhoso

santuário.
Entretanto, o transeunte das ruas não lhe podia ver a alma, e de

Paulo viram apenas o corpo esquálido que as priva ções tornaram exótico.

Muita gente o tomou por mendigo, farrapo humano da grande massa que

chegava, em fluxo contínuo, do Oriente desamparado.
O emissário do

Evangelho, no entusiasmo de suas generosas intenções, não podia perceber

as desencontradas opiniões a seu res peito.
Cheio de bom ânimo, resolveu

pregar na praça pública, na tarde desse mesmo dia.
Ansiava por defron tar o

espírito ateniense, tal como já defrontara as grandezas materiais da cidade.

Seu esforço, no entanto, foi seguido de penoso in sucesso.
Inúmeras

pessoas aproximaram-se no primeiro momento; mas, quando lhe ouviram as

referências a Jesus e à ressurreição, grande parte dos assistentes rom peu em

gargalhadas de irritante ironia.

— Será este filósofo um novo deus? — perguntava um transeunte com ar

de pilhéria.

—Está muito desajeitado para tanto — respondia o interpelado.

—Onde já se viu um deus assim? — indagava ainda outro.
— Vede como

lhe tremem as mãos! Parece doente e enfraquecido.
A barba é selvagem e

está cheio de cicatrizes!.
.
.

—E louco — exclamava um ancião com vastas presunções de sabedoria.

— Não percamos tempo.

Paulo tudo ouvia, notou a fila dos retirantes, indi ferentes e endurecidos, e

experimentou muito frio no coração.
Atenas estava muito distanciada das suas

esperanças.
A assembléia popular deu -lhe a impressão de enorme

ajuntamento de criaturas envenen adas de falsa cultura.
Por mais de uma

semana perseverou nas pregações públicas sem resultados apreciáveis.

254

Ninguém se interessou por Jesus e, muito menos, em oferecer -lhe

hospedagem por uma simples questão de simpatia.
Era a primeira vez, desde

que iniciara a tarefa missionária, que se retiraria de uma cidade sem fundar

uma igreja.
Nas aldeias mais rústicas, sempre aparecia alguém que copiava as

anotações de Levi para começar o labor evángélico no recinto humilde de um

lar.
Em Atenas ninguém apareceu inte ressado na leitura dos textos evan –

gélicos.
Entretanto, foi tanta a insistência de Paulo junto de algumas

personagens em evidência, que o leva ram ao Areópago, para tomar contacto

com os homens mais sábios e inteligentes da época.

Os componentes do nobre c onclave receberam-lhe a visita com mais

curiosidade que interesse.

O Apóstolo ali penetrara por mercê de Dionisio, homem culto e generoso,

que lhe atendera às solicitações, a fim de observar até onde ia a sua coragem

na apresentação da doutrina desconheci da.

Paulo começou impressionando o auditório aristocrá tico, referindo-se ao

“Deus desconhecido”, homenageado nos altares atenienses.
Sua palavra

vibrante apresentava cambiantes singulares; as imagens eram muito mais ricas

e formosas que as registradas pel o autor dos Atos.
O próprio Dionisio estava

admirado.
O Apóstolo revelava-se-lhe muito diferente de quando o vira na

praça pública.
Falava com alta nobreza, com ênfase; as imagens revestiam -se

de extraordinário colorido; mas, quando, começou a discorrer sobre a

ressurreição, houve forte e prolongado murmúrio.
As galerias riam a bandeiras

despregadas, choviam remoques acerados.
A aristocracia Intelectual ateniense

não podia ceder nos seus preconcei tos científicos.

Os mais irônicos deixavam o recinto com gargalhadas sarcásticas,

enquanto os mais comedidos, em consi deração a Dionisio, aproximaram-se do

Apóstolo com sorrisos intraduzíveis, declarando que o ouviriam de bom grado

por outra vez, quando não se desse ao luxo de comentar assuntos de ficção.

Paulo ficou, naturalmente, desolado.
No momento, não podia chegar à

conclusão de que a falsa cultura encontrará sempre, na sabedoria verdadeira,

uma expressão de coisas imaginárias e sem sentido.
A atitude do Areópago

não lhe permitiu chegar ao fim.
Em breve o suntuoso recinto estava quase

silencioso, O Apóstolo, então, lembrou que seria preferível arrostar o tumulto

dos judeus.
Onde houvesse luta, haveria sempre frutos a colher.
As discussões

e os atritos, em muitos casos, representavam o revolvimento da ter ra espiritual

para a semente divina.
Ali, entretanto, encontrara a frieza da pedra.
O mármore

das colunas soberbas deu-lhe imediatamente a imagem da situação.
A cultura

ateniense era bela e bem cuidada, impressionava pelo exterior magnífico, mas

estava fria, com a rigidez da morte intelectual.

Apenas Dionisio e uma jovem senhora de nome Dâmaris e alguns serviçais

do palácio permaneciam a seu lado, extremamente constrangidos, embora

propensos à causa.

Não obstante o desapontamento, Paulo de Tarso fez o possí vel por evitar a

nuvem de tristeza que pairava sobre todos, a começar por ele próprio.
Ensaiou

um sorriso de conformação e tentou algo de bom-humor.
Dionisio consolidou,

ainda mais, sua admiração pelas pode rosas qualidades espirituais daquele

homem de aparência franzina, tão enérgico e cioso de suas convicções.

Antes de se retirarem, Paulo falou na possibilidade de fundar uma igreja,

ainda que fosse num humilde santuário doméstico, onde se estudasse e

comentasse o Evangelho.
Mas os presentes não regatear am excusativas e

255

pretextos.
Dionisio afirmou que lamentava não lhe ser possível amparar o

cometimento, dada a angústia de tempo; Dâmaris alegou os impedimentos

domésticos; os servos do Areópago, um por um, manifestaram difi culdades

extremas.
Um era muito pobre, outro muito incompreendido, e Paulo recebeu

todas as recusas mantendo singular expressão fisionômica, como o semeador

que se vê rodeado somente de pedras e espinheiros.

O Apóstolo dos gentios despediu -se com serenidade; mas, tão logo se viu

só, chorou copiosamente.
A que atribuir o doloroso insucesso? Não pôde

compreender, imediatamente, que Atenas padecia de seculares intoxica ções

intelectuais, e, supondo-se desamparado pelas energias do plano superior, o

ex-rabino deu expansão a terrível desale nto.
Não se conformava com a frieza

geral, mesmo porque, a nova doutrina não lhe pertencia e sim ao Cristo.

Quando não chorava refletindo na própria dor, chorava pelo Mestre, julgando

que ele, Paulo, não havia correspondido à expectativa do Salvador.

Por muitos dias, não conseguiu desfazer a nuvem de preocupações que lhe

ensombrou a alma.
Todavia, encomendava -se a Jesus e suplicava-lhe

proteção para os grandes deveres da sua vida.

Nesse bulcão de incertezas e amarguras, surgiu o socorro do Mestre ao

Apóstolo bem-amado.
Timóteo chegara de Corinto, carregado de boas notícias.

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